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UM PEDIDO DE DESCULPAS





Acabei de assistir ao filme Parasites.


Estou me sentindo muito, mas muito incomodada mesmo.


Aprendi nos meus treinamentos de coaching que, quando a gente se sente incomodado, é porque um dos nossos valores está sendo atingido.


Qual o meu valor que foi derrubado, pisoteado e cuspido na cara por este filme coreano?


Igualdade.


Quando eu era criança, eu ficava na fresta da porta da cozinha vendo nossa empregada, Maria de Lourdes de Souza (me lembro com todas as letras do nome dela), almoçar sozinha depois que todos já haviam comido. Aquilo me dava uma pena, angústia ou algum outro sentimento que eu não sabia explicar. Mas, algo me impedia de ir lá me sentar com ela. Como se nós tivéssemos lugares separados no mundo. Ou talvez eu fosse apenas uma criança de 10 anos e não soubesse como iniciar uma conversa.


A minha vinda para a China reforçou ainda mais a minha crença de que, independente da cultura do país em que nascemos, da religião, da escolha sexual, da classe social ou de diversas outras variáveis, com terra por cima ou transformados em cinzas, somos todos iguais.


Mas no Brasil, isso é muito diferente. E, aprendo agora com este filme que, na Coreia também.

Lembro-me de que, há mais de 10 anos, eu trabalhava como diretora de contas na agência de propaganda DPZ, que ficava na cobertura de um dos prédios mais chiques de Ipanema. Meu salário era incrivelmente alto se comparado à maioria da população brasileira.


Andar pelas calçadas da Visconde de Pirajá, com bolsas de boutiques e ir cruzando com criança descalça, adolescente chapado e o famoso mendigo sem pernas, que vivia em cima de um skate, faziam com que eu me sentisse culpada de ganhar o que eu ganhava.


Tantos anos depois, eu me pergunto se esse não foi um dos motivos de eu ter abandonado minha profissão de publicitária e começado outra que me permite ajudar pessoas a serem o melhor delas mesmas.


Mas para quem eu preciso pedir desculpas?


Para todas as mulheres que trabalharam em minha casa, cuidando dos meus filhos enquanto eu ajudava grandes empresas a venderem mais produtos e gerarem mais dinheiro para seus stakeholders.


Para essas mulheres que souberam conviver com a imensa desigualdade social que nos separava.

Suas casas cabiam na sala do meu apartamento. O que eu gastava num jantar fora equivalia às compras do mês para toda sua família. Seus filhos ficavam sozinhos durante a semana para que os meus ficassem acompanhados. Elas vinham trabalhar de ônibus, de lugares a 40 quilômetros de onde eu morava, com enchente, com engarrafamento, com tiroteio para que eu pudesse ir, de carro, de Copacabana até Ipanema.


Mas apesar disso tudo, elas permaneceram minhas amigas e cuidam de nós até hoje quando vamos ao Brasil.


É para essas mulheres e suas famílias, iguais ao do filme Parasites, que eu peço desculpas se, alguma vez, eu subestimei sua generosidade, resignação e resiliência.


Me desculpe.



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