Uma certa tarde, depois de voltar da creche, a pequena Caroline, uma linda menina de 2 anos, viu, na TV, o comercial de uma boneca que cantava, dançava e gargalhava. Caroline se apaixonou pela boneca e todos os dias pedia a mãe para ganhar de presente de aniversário.
Aquela boneca era tudo que Caroline precisava para ser uma criança feliz de verdade.
Meses mais tarde, a menina finalmente ganha o tão sonhado presente no seu aniversário de três anos. A mãe ajuda Caroline a abrir a caixa de papelão que é quase do tamanho da menina e, quando finalmente enxerga a boneca, fica confusa e um pouco desapontada. Ela parece muito menor do que Caroline viu na TV. A voz era diferente, a cor do vestido não era a mesma, o riso era falso e o andar robotizado.
Caroline não reconhece a boneca tão desejada e a coloca num canto do seu quarto de menina. Ela descobre que gosta mesmo é de brincar com a boa e velha Tica, riscada de canetinha, com os cabelos despenteados e faltando um sapatinho.
Tenho conversado com muitas pessoas no Brasil que, assim como nós na China, estão podendo ficar em casa durante o surto de coronavirus, Venho percebendo que, de certa forma, todos nós nos parecemos com Caroline e sua boneca nova.
Talvez, dentro desta pequena tragédia que está sendo o coronavirus, tenhamos recebido um presente grande demais: o direito de ficar em casa.
Isso não era tudo que sonhávamos? Mais tempo com nossas famílias? Mais tempo para ler, fazer cursos, estudar, arrumar os armários, selecionar roupas para doação, cozinhar, assistir a séries na TV?
No entanto, assim como Caroline, não reconhecemos na quarentena auto imposta o tempo que tanto sonhamos. Ele veio imperfeito, acompanhado de prognósticos ruins, de notícias desencontradas e uma sensação de desamparo.
Mas, ele veio.
Estamos acostumados demais às nossas antigas rotinas (brinquedos) e temos dificuldade em explorar novas possibilidades. Não encontramos motivação para fazer todas aquelas coisas que dissemos, a nós mesmos, que faríamos se um dia tivéssemos tempo. Preferimos continuar lidando com nossas rotinas imperfeitas, porém familiares.
Um dia, Caroline resolveu explorar sua boneca: ligou o botão que a fazia andar; depois o que a fazia cantar; tirou o vestido para ver como ela era por baixo da roupa; penteou seus cabelos e, por fim, apertou a barriguinha para a boneca gargalhar. Caroline riu junto com ela.
Ganhar um brinquedo novo gera expectativa, mas também um certo medo. E assim também acontece com nossa nova rotina durante o coronavirus. Precisamos de tempo para observá-la, explorá-la e experimentá-la.
A boneca de Caroline saiu do canto do quarto e passou a integrar a estante de brinquedos junto à Tica, a boneca sem sapato, que continua lá.
Caroline decide, todos os dias, com qual boneca vai brincar: a que traz segurança e conforto ou a que traz novidade e excitamento.
Se nos dermos a chance de testar as novas possibilidades que ficar em casa nos traz, ao final desta fase, nossa estante de brinquedos estará mais completa e ainda mais bonita.
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